Líder religioso acusado de estuprar mulheres no DF tem prisão expedida
Cristiano Gomes é acusado de estuprar as mulheres em ritos espirituais na casa de matriz africana, e depois as levava a um motel
O líder de uma casa religiosa de matriz africana, localizada em Brazlândia, é acusado de estuprar três mulheres durante a realização de limpezas espirituais, utilizando o mesmo modus operandi. Na quinta-feira (24/11), Cristiano Gomes da Silva foi indiciado pelo crime de estupro e violação sexual mediante fraude. Ele fugiu após ter o mandado de prisão expedido.
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Depois que a primeira vítima registrou boletim de ocorrência na 18ª Delegacia de Polícia (Brazlândia), outras três mulheres prestaram depoimento à polícia. Ao Metrópoles as mulheres detalharam os momentos de terror que passaram.
Manuela* começou a fazer as limpezas espirituais em agosto último, em um dos cômodos da casa onde só os sacerdotes têm acesso. Segundo ela, certo dia, Cristiano pediu para que ela tirasse a roupa. A ordem, de acordo com o sacerdote, teria partido de um ancestral, chamado “Baba”. Depois que ela se despiu, o suspeito começou a tocar no corpo dela, enquanto passava os ingredientes usados no rito de limpeza. “Ele me tocava pegando no meu corpo todo e colocou o dedo dentro da minha vagina”, conta ela, que ainda afirmou que o homem exigiu sigilo sobre o ocorrido, em tom de ameaça.
“Ele disse que eu deveria prometer a Oxum que não contaria a ninguém sobre o que aconteceu ali. E que eu deveria prometer por quem eu mais amo. A pessoa que mais amo é minha filha, então, como não vi nenhuma saída, eu prometi a vida dela. Eu fiquei com muito medo, não sabia o que fazer”, diz.
Manuela explica que ficava sozinha com Cristiano durante as sessões. Por ele ser professor de jiu-jitsu e saber lutar capoeira, a vítima diz que ficava com medo de que ele a machucasse. Dessa forma, apesar de estranhar o comportamento dele, decidiu continuar frequentando as limpezas. Até que, em 12 de outubro deste ano, durante mais uma sessão, ela foi induzida a fazer sexo oral em Cristiano. Em seguida, ele avisou que os dois precisariam ir para outro local; foi quando ela entendeu que Cristiano queria ter relação sexual completa com ela.
“Ele me levou para o motel e me fez fazer as posições que ele queria. Toda hora passou pela minha cabeça tentar ir embora, mas eu me vi sem saída. Tinha medo de fugir e sabia que se gritasse dentro de um motel ninguém iria atrás de mim”, explica.
Após o ocorrido, Manuela* ficou com um comportamento mais introspectivo, só queria dormir e não tinha vontade de fazer nada. O estupro deixou marcas no psicológico dela: a jovem tem medo de ficar sozinha, não consegue tocar em outras pessoas e sofre com pesadelos recorrentes. “Eu estou sangrando por dentro. É uma dor que só quem passa sabe”, desabafa, em lágrimas.
Quando chegou o próximo dia da sessão espiritual, a moça ligou para o marido e deixou o celular escondido enquanto conversava com Cristiano. Eu perguntei o que íamos fazer e ele respondeu que teríamos relação sexual. “Então a gente vai ter que fazer relação de novo hoje”, ela repetiu para garantir que o marido escutasse a ligação. Após Cristiano confirmar, ela falou que não iria mais fazer as limpezas, pois não fazia parte da índole dela trair o marido.
“Quando ele foi embora, eu comecei a chorar desesperadamente. Liguei para o meu esposo e pedi para ele me buscar na mesma hora”, completa. Os dois se dirigiram até a casa de Cristiano e tentaram conversar com a esposa dele. Mesmo ouvindo tudo, a mulher tentou os persuadir a não prestarem queixa à polícia. “A família falou que queríamos jogar o nome dele na lama. Ninguém estava preocupado com o meu sofrimento”, lamenta Manuela*.
Outras vítimas
O tio de Manuela, que também costumava ser sacerdote da casa, se afastou devido às condutas de Cristiano. Ele ainda tentou mobilizar outros membros da comunidade sobre o ocorrido, mas devido à autoridade do líder religioso, nenhuma providência foi tomada.
Após o marido de Manuela divulgar nos grupos da casa de matriz africana o que a mulher tinha passado, mais duas vítimas apareceram, relatando que foram estupradas com o mesmo modus operandi: tinham que ficar nuas durante as limpezas, faziam juramentos de que não iriam contar a ninguém e depois iam ao motel para a consumação do ato sexual.
“Ele usou da minha fé. Só depois que fui entender tudo o que passei. A sorte é que tive apoio para seguir em frente”, conta Débora* sobre o abuso sexual que sofreu em 2010, quando estava grávida de 6 meses.
Outra mulher relatou que escapou por pouco de ser abusada por Cristiano. Em fevereiro deste ano, Luana* aceitou fazer as limpezas espirituais com ele, e assim como as demais mulheres, o abusador afirmou que ela deveria tirar a roupa e prometer sigilo. Ela tirou a blusa, a sutiã, a calcinha, mas preferiu ficar com a saia.
“Quando ele termina de esfregar produtos no meu corpo, eu estou molhada, encolhida, me curvando para tentar me tampar, porque a minha saia era branca de tecido fino, então estava transparente”, descreve ela. Quando saiu dali, Luana* logo percebeu que havia algo errado e decidiu que não voltaria mais. Mas, por medo de ser coagida de alguma maneira, não teve coragem de fazer denúncia formal.
“A maior marca é ver o quanto ele consegue abalar a fé da gente. Porque quando você procura qualquer religião, independentemente de qual seja, você olha para aquele líder, sacerdote, e confia. Nunca imagina que ele iria te expor e te colocar em uma zona de perigo tão grande”, diz Luana*.
Outro lado
No dia em que foi prestar depoimento, Cristiano gravou um vídeo afirmando que era inocente e divulgou nos grupos da comunidade. “Estão tentando denegrir [sic] a minha imagem e eu como sacerdote, como educador, estou aqui para provar a minha inocência. Não tem nada que vai sujar a minha índole. Não estou escondido de nada, estou aqui para falar a verdade”, declarou o líder religioso.
Assista:
https://cdn.jwplayer.com/players/MrvUtySu-HdA8q6gX.html
O Metrópoles tentou entrar em contato com a sede da casa de matriz africana, localizada na ilha de Itaparica (BA), mas não havia recebido retorno até a última atualização desta reportagem.
* Nomes fictícios para resguardar a identidade e garantir a segurança das vítimas