Mãe arrependida de dar filha para doação: “Pensei que não estava pronta”
Mulher manifestou arrependimento de colocar a filha para adoção dentro do prazo previsto por lei. Decisão do TJDFT foi unânime a favor dela
Andre Furtado/ Pexels
“Quando soube que estava grávida, fiquei em choque, pois não tinha me preparado para assumir o papel materno. Pensei que não estava pronta”, confidenciou ao Metrópoles a mulher de 31 anos que entregou filha para adoção e teve direito de arrependimento concedido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), no ano passado.
Juliana* descobriu a gravidez da primeira filha dois dias antes de entrar em trabalho de parto, em julho do ano passado, por meio de um exame de rotina. Ela conta que, durante o período de gestação, não teve sintomas aparentes de estar carregando uma criança no ventre, e a descoberta foi uma surpresa.
“Estava tudo completamente normal. A menstruação descendo regularmente e a minha barriga não teve alteração no tamanho. Eu entrei em pânico com a notícia da gravidez e não tive nem tempo de processar a informação. No calor do momento e sem saber o que fazer, informei que não ia ficar com a criança, pois não tinha condições financeiras também”, relembra.
Em 2022, 71 mães e gestantes procuraram a 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF (1ª VIJ-DF) com a intenção de fazer a entrega voluntária para adoção. Dessas, 39 desistiram de dar continuidade ao processo, uma delas sendo a personagem desta reportagem.
Reprodução/TJDFT
No caso de Juliana, a decisão de rever a entrega para adoção da filha ocorreu após a intimação da sentença extintiva do poder familiar. “Depois que a bebê nasceu, fiquei bastante pensativa e muito triste em entregá-la. É muito difícil dividir um quarto de hospital com outras mulheres que também acabaram de dar à luz e estão ali segurando seus filhos recém-nascidos e, no meu caso, eu estava ali só. Já estava sofrendo demais desde o primeiro momento”, relembra.
O arrependimento e o desejo de ficar com a criança aumentaram ainda mais depois que ela decidiu visitá-la na casa de apoio em que havia sido levada. “Mexeu muito comigo vê-la, comecei a criar um vínculo que não tive durante a gestação. Senti muita saudade dela nesse período longe. Eu já tinha passado por audiência com o juiz e confirmado a adoção, mas pouco tempo depois, fui atrás da Defensoria Pública e decidi que não queria entregar. Foi um tiro no escuro a tentativa”, conta.
A Justiça determina que a retratação pode ser concedida desde que a reconsideração seja manifestada dentro do prazo legal de 10 dias. Como a mulher foi representada pela Defensoria Pública do DF (DPDF), o prazo é dobrado.
Na ação em questão, a mãe colocou a filha para adoção em 30 de agosto de 2022. O pedido para reaver a guarda da criança foi encaminhado à DPDF, em 6 de setembro de 2022.
A petição do defensor público foi apresentada em 12 de setembro de 2022. O Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT) manifestou-se a favor da mãe e invocou o direito da criança à convivência familiar e comunitária, solicitando a modificação da situação e a entrega imediata da filha à mãe.
Na decisão, o desembargador relator ponderou que a autora deu à luz 27 de julho de 2022 e, “apesar de ter manifestado o não interesse em ficar com a criança”, deve-se se considerar a idade dela e os efeitos do estado gestacional e puerperal.
“Eu havia sido informada que já tinha uma família na lista apta para adotá-la. Colocar uma criança para adoção tem que ser uma decisão muito bem tomada, é difícil abrir mão da maternidade. No momento do susto, ao descobrir a gravidez, pode parecer que não tem saída, mas nós temos opções e uma rede extensa de apoio. Em primeiro lugar, manter a família unida, ou mostrar que a solução não é o aborto”, ressalta Juliana.
Por unanimidade, a Turma determinou a retirada do nome da criança do cadastro de adoção e pediu a entrega imediata para a mãe, em atenção à manifestação de vontade, ao equilíbrio emocional e ao melhor interesse da criança. O processo corre em segredo de Justiça.
Durante esse processo, Juliana conta que também buscou acolhimento na ONG Santos Inocentes, localizada em Samambaia. Uma instituição católica que realiza diversos trabalhos em defesa da vida de crianças e mães do DF. “Consegui apoio psicológico com eles, eles me auxiliaram bastante durante esse período, até mesmo com o enxoval”, diz.
Juliana revela que só contou para a família da gravidez após conseguir reaver na Justiça a guarda da criança. “Até então, meu marido também não soube da gestação e nem que eu havia colocado para a adoção, decidi contar apenas depois. Eu queria ter uma filha, mas me assustei muito, estávamos em uma época muito difícil financeiramente. Sofri demais com a adoção”, detalha.
Entrega voluntária para adoção
Qualquer gestante ou mãe que, por alguma razão, não queira ou não possa assumir os cuidados maternos em relação ao próprio filho pode procurar a Justiça Infantojuvenil e formalizar o interesse de aderir à entrega voluntária, com a garantia do sigilo do ato.
No DF, o atendimento é feito pela Seção de Colocação em Família Substituta da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal (Sefam/VIJ-DF). A entrega voluntária em adoção é uma ferramenta legal prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Desde 2006, a VIJ-DF realiza um serviço pioneiro e específico com as mulheres que procuram a Justiça com vistas à entrega legal em adoção. Trata-se do Programa de Acompanhamento a Gestantes, iniciativa que promove o acolhimento e a orientação das participantes, por meio de uma equipe técnica formada por psicólogos e assistentes sociais.
O psicólogo Walter Gomes, supervisor da Sefam, explica que a existência de um espaço psicossocial e jurídico para essas mulheres garante que ela tenha segurança pra construir com responsabilidade e segurança a melhor decisão quanto ao futuro da criança.
”Ela acaba se sentindo empoderada, pois tem uma escuta qualificada, consegue reorganizar os sentimentos tumulados, ressignificar a condição de vulnerabilidade através dessa assistência. O empoderamento serve tanto para que ela entregue quanto decida permanecer com o filho. Nosso papel é protetivo”, ressalta Walter.
A possibilidade jurídica de entregar um filho para adoção se apresenta como alternativa ética e legal a práticas de abandono, infanticídio, tráfico humano ou mesmo esquemas irregulares de entrega a terceiros.
“Quando você trabalha que a entrega em adoção não é um abandono, e sim que a mulher se deparou com um limite, em razão da sua própria incapacidade de suprir a necessidade da criança, ela se conscientiza da sua limitação e demonstra respeito e amor ao entregar para a Justiça. O importante é que ela receba esse suporte e tenha uma escuta sem julgamento”, pondera o supervisor.
Sigilo garantido
A garantia do sigilo judicial é outro fator encorajador. “Ele funciona como uma espécie de escudo para proteger as mulheres de eventuais julgamentos ou constrangimentos que, muitas vezes, são perpetrados pela família ou por vizinhos e amigos. As mulheres desejam ser acolhidas e respeitadas em sua intimidade, em sua privacidade e em sua dignidade”, diz o supervisor.
Em todas as etapas do acompanhamento psicossocial no âmbito da Justiça Infantojuvenil, é adotada uma abordagem humanizada, focada no respeito à intimidade, à privacidade e ao direito de fazer escolhas dessa mulher.
Canais de atendimento
As gestantes, parturientes, mães ou familiares que se encontrem em situação de potencial entrega de criança em adoção devem procurar a equipe interprofissional da Seção de Colocação em Família Substituta da Vara da Infância e da Juventude (Sefam/VIJ-DF), localizada na SGAN 916, Módulo F, Fórum da Infância e da Juventude, na Asa Norte.
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