Amor a três: trisal de SP tenta ser reconhecido como uma família
Marcel Mira e Priscila Machado, que estavam casados há 14 anos, decidiram se divorciar para incorporar Regiane Gabarra ao relacionamento
Marcel Mira e Priscila Machado, que estavam casados há 14 anos, decidiram se divorciar para incorporar Regiane Gabarra ao relacionamento
São Paulo – Marcel Mira e Priscila Machado estavam casados há 14 anos quando decidiram formar um trisal com Regiane Gabarra. Com a impossibilidade de terem a união a três reconhecida pela Justiça, optaram pelo divórcio.
“Incomodava a Regiane o fato de sermos casados. Ficava muito aquela coisa de ela ser a outra e não é o propósito da nossa relação. Não tem outra, somos nós três. Como legalmente só podia ser os dois, conversamos. Vimos que era só um papel e nos divorciamos’”, contou Priscila ao Metrópoles.
Depois, o trisal, junto desde 2018, acabou descobrindo que o divórcio seria necessário para fazer a fertilização in vitro do filho Pierre, nascido no último dia 16/4.
“Casado comigo, o Marcel não poderia ser um doador participativo para a Regiane. Então, ele conseguiu fazer todo o procedimento como pai biológico da criança”, relatou a administradora.
O pai e as duas mães agora estão em processo para registrar o filho no nome dos três. Nesse primeiro momento, fizeram uma solicitação via ofício ao cartório, que vai encaminhar o documento para um juiz autorizar ou não o registro.
“Optamos por tentar de uma forma administrativa primeiro, antes de ir à Justiça. Estamos aguardando”, afirmou Priscila.
Múltipla parentalidade
O Brasil permite a múltipla parentalidade, o que significa que legalmente uma criança pode ter até dois pais e duas mães. Para registrar a múltipla parentalidade de crianças maiores de 12 anos, deve se procurar um cartório. Em casos de menores de 12 anos, é necessário seguir um trâmite judicial.
“Há um incoerência, porque é reconhecida como família para a criança, mas não é reconhecida como uma família para os adultos”, avaliou Isa Gabriela Stefano, doutora e mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Para a advogada, trata-se de uma situação antagônica. “A sociedade quer evitar algo que não tem como ser evitado, porque para a criança que vive é uma realidade. Mas os adultos, que podem escolher livremente seus relacionamentos, não conseguem ter esse reconhecimento.”
Não há proibição legal
Para a Justiça brasileira, os trisais e os relacionamentos poliafetivos não são ilegais, mas também não são regulamentados.
“Os cartórios não podem fazer o reconhecimento destas uniões. Contudo, ainda que haja uma probabilidade remota, nada impede que estes casais busquem o reconhecimento da família por meio de ações judiciais”, afirmou Laísa Santos, advogada da área de planejamento patrimonial, família e sucessões.
Integrantes desse tipo de relacionamento não têm direitos protegidos pela lei, como divisão de bens, herança, sobrenome, convênio médico, financiamento bancário, pensões previdenciárias e dedução em imposto de renda.
“O que eles podem fazer é um contrato para relacionar ali a vida patrimonial deles, quase como se formassem uma empresa. Isso é o que era aconselhado antes às uniões homoafetivas, quando não eram reconhecidas”, indicou Isa.
Aceitação
A advogada Isa Gabriela acredita que é um caminho natural que, no futuro, os trisais e relacionamentos poliafetivos sejam reconhecidos pela Justiça.
“Vamos passar agora por um período de amadurecimento no debate da relação poliafetiva. A partir do momento em que isso se torne uma realidade social, acredito que o Direito passe a considerar esse tipo de relação como familiar”, afirmou.
Para a advogada Laísa Santos, a dificuldade para oficializar uniões poliafetivas é a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional, que estabelecem o requisito da monogamia para o reconhecimento da união estável.
“O reconhecimento destas uniões colocaria em xeque o princípio constitucional da monogamia, violando, assim, o sistema jurídico brasileiro e os costumes historicamente enraizados na sociedade”, pontuou.